Vigilância popular: Em Santa Cruz, jovens pesquisadores denunciam o racismo ambiental

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A história de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, é marcada pela luta contra a industrialização predatória. Martha Trindade, uma das primeiras ativistas a levantar a voz contra a poluição, faleceu por problemas respiratórios, mas deixou um legado que hoje inspira o Coletivo Martha Trindade. Formado por jovens pesquisadores da região, o grupo usa a pesquisa cidadã e a educação para contrapor a narrativa de empresas como a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) e provar que o desenvolvimento não pode custar a vida da população.

Uma das primeiras ações do coletivo foi investigar a qualidade do ar. O pesquisador Flávio Rocha explica que a siderúrgica sempre defendeu que o ar de Santa Cruz era "melhor que o do Leblon". Mas a pesquisa desmentiu o discurso. “A gente foi medir essa qualidade. Esse processo de meditação nos confirmou que o ar daqui não é melhor que o do Leblon, inclusive, mostrou também que o ar está acima dos valores permitidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”, revelou Rocha. O trabalho do coletivo, que já chegou à Fiocruz, mostra que a vigilância popular é uma ferramenta poderosa para gerar dados e denunciar a injustiça ambiental.

O coletivo não atua apenas na academia, mas também na base. Em oficinas com o apoio do Fundo Casa, o grupo discute o conceito de racismo ambiental, mostrando como a desigualdade social e racial faz com que as periferias sejam territórios de sacrifício. "A produção de narrativas não pode ficar restrita às universidades e a população branca, a periferia tem a capacidade de construir também junto. Falamos muito sobre as populações que são sacrificadas em prol do desenvolvimento. Todo desenvolvimento tem um preço, aqui que tem sido a vida dessas pessoas”, defende o pesquisador.

A história do bairro, que tem um dos dez menores IDH do Rio, é o pano de fundo da luta. Santa Cruz, historicamente ocupada por pescadores e comunidades tradicionais, passou por uma acelerada industrialização que ignorou os saberes locais e impactou a soberania alimentar da região. A poluição da siderúrgica não afeta apenas o ar, mas também a Baía de Sepetiba e o Rio Guandu, onde os pescadores veem seu sustento ser comprometido.

Com os diagnósticos e as novas propostas que surgiram nas oficinas, o Coletivo Martha Trindade agora está produzindo uma carta compromisso. Esse documento servirá como base para fazer cobranças diretas e propor mudanças para o distrito industrial. A iniciativa é a prova de que a luta de Martha Trindade segue viva e mais forte do que nunca, com uma nova geração de ativistas que usa a ciência, a educação e a organização comunitária para construir um futuro mais justo e saudável.