“Quando a chuva vem, é medo que inunda”: mulheres do Recife enfrentam racismo ambiental e transformam o território

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“Quando chegava o inverno, ou eu dormia para morrer, ou eu esperava a chuva passar.” A frase de Tereza Cristina resume o sentimento de muitas mulheres do Alto José Bonifácio, periferia de Recife, durante os períodos de chuva intensa. No bairro, onde ficam os morros do Córrego do Euclides, as casas se equilibram sobre encostas frágeis, cobertas com lonas plásticas desde 2014 para evitar deslizamentos, mas o que deveria proteger, nem sempre segura. Com o avanço das mudanças climáticas e a negligência do poder público, o medo de perder a casa – ou a vida – se tornou rotina para quem mora ali.

Foi nesse cenário que nasceu, em 2005, o Cidadania Feminina, organização criada por sete mulheres negras e majoritariamente lésbicas, lideradas por Liliana Barros. Tudo começou em um quintal, entre conversas sobre feminismo, racismo, violência doméstica e direito à cidade. Hoje, com mais de 90 mulheres mobilizadas, o grupo atua como espaço de acolhimento, formação e resistência.

A crise climática mudou a urgência da pauta. Em 2022, as chuvas mais intensas do século em Pernambuco deixaram 130 mortos, a maioria, mulheres. A sede do Cidadania Feminina foi atingida: rachaduras nas paredes, infiltrações, parte do telhado desabando.

“Ia ser um desastre feio”, lembra Liliana. Foi então que, com o apoio do Programa Segurança e Cuidado do ELAS+, a organização conseguiu reformar o espaço e seguir viva, física e simbolicamente.
mulheres na escada

Com a sede reerguida, a mobilização cresceu. Liliana e outras lideranças passaram a articular encontros com mulheres de outras 11 periferias de Recife e Região Metropolitana, dando origem à Articulação Mulheres de Bairro. O grupo promove rodas de conversa, oficinas, seminários e ações para exigir políticas públicas voltadas às realidades dos territórios periféricos.

"A chuva e o sol não são iguais para todo mundo", diz Liliana. No Córrego do Euclides, onde falta água potável, mas a conta chega a R$ 400, o racismo ambiental não é um conceito distante: é o dia a dia de mulheres que precisam escolher entre o medo da chuva e o risco da seca.

O apoio do ELAS+ ao Cidadania Feminina foi viabilizado em 2023 por meio do programa Segurança e Cuidado, que busca apoiar e promover ações de proteção e cuidado para organizações e lideranças que atuam na defesa dos direitos humanos e dos territórios. A proposta é fortalecer a resiliência diante de crises e ameaças ambientais, climáticas, sanitárias ou políticas. Investir em iniciativas como essa é fortalecer as soluções que já brotam dos territórios, onde a luta por justiça climática é também uma luta por dignidade, permanência e vida.