A morte das águas no Oeste da Bahia: comunidades mapeiam rios secos e denunciam avanço do agro

"É possível caminhar pelo fundo dos rios que morreram, eles ficam secos o ano todinho". A fala de um morador do Oeste da Bahia revela uma realidade alarmante. Nos municípios da bacia dos rios Corrente e Carinhanha, a água está desaparecendo e com ela, a vida das comunidades que historicamente cuidam desses territórios.
Ao longo de 2023 e 2024, cerca de 3.050 trechos de rios e nascentes completamente secos foram identificados por moradoras e moradores da região, em um trabalho coletivo de mapeamento realizado pela Pastoral do Meio Ambiente (PMA), pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pesquisadores da UFF e do IF Baiano. O resultado é um diagnóstico poderoso: mais de 7.120 km de águas mortas e outros 3.837 km de rios em estado crítico, desenhados e validados pelas próprias comunidades, com base no conhecimento tradicional e na experiência cotidiana com a terra e com as águas.
As bacias do Corrente e do Carinhanha, que se estendem pelo oeste da Bahia até o norte de Minas Gerais, concentram um dos maiores patrimônios hídricos do Cerrado. São territórios de veredas, campos úmidos, fragmentos de Caatinga e florestas que alimentam aquíferos estratégicos como o Urucuia e o Bambuí, fontes de água para diversas regiões do país. A agricultura familiar, o extrativismo e a criação tradicional de animais sempre foram parte do modo de vida das comunidades locais. Mas tudo isso tem sido ameaçado.
A crise das águas não é fruto da seca natural, mas do avanço violento do agronegócio, da grilagem e da má gestão hídrica. Nas últimas décadas, monoculturas de soja, algodão e milho tomaram os chapadões do Cerrado, com uso intensivo de pivôs centrais e piscinões para irrigação. A água, que deveria servir à vida, foi sequestrada por grandes empreendimentos. Segundo levantamento da Agência Pública, 1,8 bilhão de litros por dia foram concedidos em outorgas a membros da AIBA e da ABAPA, entidades que representam o agro no estado. Enquanto isso, riachos secam diante dos olhos das famílias que os viram nascer.
Diante desse colapso, nasceu a ideia de mapear. O processo foi conduzido por meio de oficinas comunitárias em que as pessoas desenharam, relataram e validaram as águas secas ou ameaçadas. Mapas em grande escala foram construídos com dados georreferenciados, mas, sobretudo, com o saber de quem caminha o território todos os dias. O resultado é mais que um documento técnico: é um grito coletivo por justiça hídrica e ambiental.
Este mapeamento foi realizado com apoio do Programa de Pequenos Projetos da CESE, por meio do edital “Povos Indígenas Lutando por Justiça Climática”, promovido pelo Fundo Raízes e com apoio do Instituto Itaúsa. Investir em iniciativas como essa é fortalecer a autonomia das comunidades, proteger os bens comuns e enfrentar a destruição promovida pelo modelo predatório do agronegócio.
Conheça outras soluções climáticas apoiadas

Tabôa - Fortalecimento Comunitário
Agroecologia e autonomia: A Rede Povos da Mata transforma a realidade no campo baiano

CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço
Muxirum Jovem: juventude rural retoma tradição e resiste ao avanço do agro no Mato Grosso

Fundo Casa Socioambiental
Guardiãs do Fogo: A aliança Apinajé que combate a crise climática no Cerrado e na Amazônia